O jargão policial que significa, que o que antes era ocultado foi descoberto - encaixa-se perfeitamente ao que vinha ocorrendo no Canil Escola Emanuel, mais conhecido como mantenedouro Ary Borges, ou por ‘Salvem os Tigres de Maringá’. Os estabelecimentos todos no mesmo local, já haviam sido interditados. Ary Borges vinha constantemente desobedecendo as determinações do IBAMA e da prefeitura, inclusive não pagando as multas lançadas. As empresas também têm problemas com a Receita Federal e até com o IBAMA.
Desde as denúncias de irregularidades, a fiscalização foi intensificada no local, e as vistorias resultaram em provas. Foram anexadas ao processo fotografias, vídeos, anúncios comerciais pela internet e notas fiscais emitidas da atividade de locação de animais. Neste ano o proprietário foi reincidente em outras duas ocasiões de fiscalização, acumulando um total de mais de R$ 150 mil em multas.
Quem melhor para dizer o que realmente acontecia lá, do que a ex-mulher de Ary Borges:
"Quero deixar claro que NUNCA tive a intenção de explora-los, tão pouco de permitir desconforto para qualquer um deles. Me afastei dos animais dos quais eu cuidava e condicionava, pelo simples fato de trabalhar com alguém que nutria objetivos muito diferentes que os meus. Neste caso, quero que saibam, que eu não sou a favor de nenhuma arbitrariedade... Podendo tudo ser resolvido por meios legais, JUSTIÇA"
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Desde 2007, quando compraram o primeiro casal de tigres, a intenção era explorar os animais, conforme informado por eles ao jornal local. Ao nascerem os filhotes eram retirados de suas mães; com a desculpa de que foram rejeitados – pois somente sendo criados por humanos não desenvolveriam suas habilidades e trejeitos felinos. Amamentados com mamadeiras diversas vezes ao dia, os animais além de ficarem quase que entorpecidos; em estado dormente – numa mistura de saciedade e êxtase, podiam facilmente ser manipulados para ficarem nas marcas e closes necessários para trabalharem nas fotos e filmagens que ocorriam incessantemente.
Além do criadouro, os primeiros a se beneficiarem com o trabalho escravo dos felinos, foram às agências de publicidade, depois os jornais e os programas de TV, que compactuavam com o trabalho escravo dos felinos, atraindo mais e mais pessoas ao local, que chegavam a pagar grandes somas de dinheiro para serem fotografadas junto aos animais – tudo com a desculpa de que o dinheiro seria usado na manutenção dos felinos, que eram obrigados a se reproduzirem dentro da linhagem de parentesco. A endogamia é um método muito utilizado entre criadores de cães que visam perpetuar características dos animais, desconsiderando as doenças de má formação genéticas, as quais os filhotes terão que conviver e as dores que terão que suportar durante toda a sua existência.
As denúncias começaram há anos atrás, quando Ary Borges, colocava anúncios querendo adotar cães bravos. Os animais eram depois alugados como cães de segurança. Passavam os dias trancafiados dentro de celas de cimento, sem nenhum contato humano ou carinho, e a noite eram levados para permanecer nas áreas externas vigiando as empresas contra possíveis assaltantes.
Com a chegada dos grandes felinos e seus filhotes, novas celas de cimento foram construídas ao lado dos cães – em frente a elas; os quintais de recreação com piscina.
O mantenedouro que chegou a ter quase vinte grandes felinos, no começo só alugava os animais para participarem de comerciais de televisão, catálogos de produtos, e programas de televisão que tinham sua audiência aumentada ao mostrar a família dedicada aos animais. Depois passaram a levar os filhotes em feiras de eventos, onde taxas eram cobradas para que as pessoas fotografassem junto a esses. Com o crescimento dos animais, eram oferecidos books fotográficos, passeios ecológicos, estágios, e por fim o criadouro passou a pedir contribuições e apadrinhamento para manter os animais.
Conforme os animais cresciam e adoeciam, e apesar da repercussão midiática despertar no público certa comoção e preocupação com os animais, também despertou nas autoridades a real situação degradante em que viviam os tigres e leões em Maringá.
Sendo que ao mesmo tempo, descumpria determinações que visavam proteger a integridade dos animais, como a castração desses. Uma vez que os tigres e leões eram procedentes de circo, sem qualquer registro ou controle da subespécie, podendo ser híbridos, não deveriam procriar em cativeiro, evitando que outros animais nascessem com anomalias genéticas.
Algumas anomalias genéticas que ocorrem com frequência na endogamia são: prognatismo; angnatismo; criptorquidismo; problemas cardíacos; membros curvos; epilepsia; lábio leporino; espasmos letais congênitos; catarata congênita; diminuição da fertilidade; diminuição da expectativa de vida; maior susceptibilidade a doenças. Em casos mais severos: membros amputados - os animais afetados possuem dois ou mais membros defeituosos; acondroplasia tipos I, II e III- normalmente gera uma má formação fetal e consequente aborto; hérnia cerebral - abertura no crânio; hipoplasia de ovário ou testículo - o animal nasce sem uma ou sem as duas gônadas; hérnia umbilical; entre outras, sendo várias delas letais.
Nas ninhadas oriundas de indivíduos endogâmicos o número de filhotes é menor, o crescimento dos filhotes se dá de forma menos acelerada e por último a longevidade tende a ser menor.
Durante a audiência pública que discutiu a esterilização de grandes felinos no país, o argumento do IBAMA foi a de que cabe ao poder público a competência de gestão da fauna exótica em cativeiro, e que tal procedimento é necessário, pois muitos animais são abandonados e que o método proposto, a vasectomia é menos evasivo e de menor custo, e que somente os machos sofrerão o procedimento, já outros métodos como anticoncepcionais, poderiam causar efeitos colaterais e que nas castrações, os leões perdem a juba. E que no país não existiam linhagens puras, face aos cruzamentos descontrolados. Ainda pelo IBAMA, seguiu-se o argumento que nos circos, os cruzamentos nunca seguiam padrões genéticos e os animais descendentes não eram puros, mas híbridos. Completou dizendo que: ”Estes animais são como vira-latas”, sem pedigree.
No entanto criadouros e mantenedouros que exploram os animais refutaram as afirmações à época e continuam a descumprir a determinação, e procriar os animais. Sem controle ou fiscalização os filhotes podem muito bem serem revendidos no mercado de animais, para circos, zoológicos particulares e outros.
Mantenedores argumentaram que a vasectomia (que protegeria os animais de nascerem doentes ou de serem traficados), equipara-se aos maus tratos, pois se assemelha a uma mutilação e protocolaram uma denúncia-crime contra o IBAMA, junto ao MPF.
Todos os filhotes do tigre siberiano Tom e sua companheira, a tigresa de bengala Shang, são híbridos – já que são oriundos de duas subespécies distintas, portanto seus filhotes jamais deveriam procriar.
Em Outubro de 2010, uma denúncia levou a polícia rodoviária a abordar a caminhonete F-250, dirigida por Ary Borges, dentro dela estava um filhote de tigre de cerca de 60 dias, sem nenhuma documentação, e nem a GTA documento obrigatório para o transporte de animais exóticos, o denunciante informou que o animal havia sido vendido para o Rio Grande do Sul.
Como a regra em Maringá era entorpecer - adormecer os instintos dos animais com mamadeiras, cujo leite não era pasteurizado, sendo que o leite cru é uma das maneiras de se contrair o protozoário causador da toxoplasmose, sugere-se que as pessoas que visitaram o local, e que amamentaram os tigres, façam exame de sangue que detecta a presença de anticorpos contra o parasita Toxoplasma Gondii.
Em nota enviada à imprensa, o Ibama explicou que cumpre orientação da Advocacia-Geral da União baseada na constatação de irregularidades como a transferência de animais sem autorização, exposição não permitida de animais com fins de visitação, precariedade e falta de segurança das instalações e reprodução da espécie sem autorização do órgão ambiental.
Analisando os vídeos das várias reportagens filmadas no criadouro, é possível observar que em questão de dois ou três meses o número de animais variava sem nenhuma explicação ou documentação; de nove grandes felinos o número mudava para 17, e depois para 13. No entanto durante o resgate pelo IBAMA somente haviam sete tigres no local.
Dentro dos recintos dos tigres, carcaças dos animais mortos, moscas, baratas, água podre. O abate de cavalos e outros animais era praticado no local, sem nenhuma higiene ou preocupação com possíveis doenças dos animais abatidos que seriam transmitidas aos tigres. Afinal procriando indiscriminadamente os tigres que eram parentes entre si, eles eram facilmente substituídos. Um exemplo é o caso do Leão Ariel, o animal que foi submetido à vários tratamentos dolorosos, depois do ' acidente com bexigas', morreu aos 3 anos de idade. No entanto a 'brincadeira perigosa', continuou a ser oferecida como diversão aos outros grandes felinos, até o resgate dos animais pelo IBAMA.
Uma vez que além das cobranças aos visitantes, o canil e mantenedouro, também solicitava pelas redes sociais que as pessoas apadrinhassem os animais, e que o dinheiro seria utilizado para o bem-estar dos animais, algumas pessoas diante da constatação das irregularidades e dos maus-tratos que os animais eram submetidos, já estariam em contato com o ministério público para reaver os valores doados. Dúvidas podem ser esclarecidas, junto ao IBAMA/PR (gabinete.pr@ibama.gov.br) ou com o promotor Dr. José Lafaiette Barbosa Tourinho( jlbtourinho@mppr.mp.br).
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